O primeiro quadro com um negro sem ser em posição subalterna, entre uma série de desenhos subversivos e polémicos, eis o segredo que escondem as Gares de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos: os painéis de Almada Negreiros, pintor, escritor, artista modernista, ele próprio são-tomense, filho de mãe angolana.

As duas gares são dois edifícios imponentes que se podem ver numa visita à beira rio, foram projetadas pelo arquiteto do regime do Estado Novo, Porfírio Pardal Monteiro nos anos 1930 para modernizar o Porto de Lisboa – obra há muito necessária. As Gares foram inauguradas na década seguinte – com os painéis polémicos.
Nos painéis da Gare Marítima de Alcântara, Almada contou as histórias de Portugal e dos Descobrimentos: a lenda da Nau Catrineta e o milagre de D. Fuas Roupinho, que foram aliás alvo de grande polémica para o regime do Estado Novo – um regime que não a desejava. Mas mais polémica houve ainda com os trípticos da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, onde se ilustra a vida dos cais e o drama da partida dos migrantes – algo impensável para o regime, que, aliás, tinha pedido que as Gares mostrassem um visão positiva da cidade aos turistas, aos que chegavam e não aos que partiam.